Bolsonaro prova do ódio bolsonarista

thomas Scholze
thomas Scholze

O principal fato político em curso é a tentativa do presidente Jair Bolsonaro em conter o ódio dos seus próprios seguidores nas redes sociais. Desde quinta, 1º, quando foi divulgada a indicação do desembargador piauiense Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente tem sido atacado sem piedade por antigos apoiadores que consideram o indicado um preposto do Centrão e sem compromissos cristãos. Bolsonaro e os filhos Eduardo e Carlos já gravaram vídeos, postaram tuítes e deram entrevistas para tentar reverter a avalanche de ofensas e críticas. Até agora, sem sucesso.

Os ataques dos bolsonaristas ao seu líder se intensificaram no domingo, 4, depois que foi divulgado um vídeo de 20 segundos com o abraço efusivo de Bolsonaro e o ministro do STF Dias Toffoli. Ex-advogado do Partido dos Trabalhadores, ex-assessor de José Dirceu, ex-Advogado Geral da União na gestão Lula, Toffoli é um dos símbolo de tudo o que os bolsonaristas rejeitam. O abraço no antigo inimigo foi tomado como uma traição.

“O PT, toda esquerda, o Centrão, os corruptos e todos os que são contra a Lava-Jato agradecem a nomeação de Bolsonaro para o STF”, escreveu o pastor Silas Malafaia, um dos principais cabos eleitorais de Bolsonaro em 2018. “Eu queria um abraço como o Toffoli teve. Não reconheço Bolsonaro, o homem que eu decidi entregar meu destino e vida para proteger um legado conservador”, escreveu a militante de extrema direita, Sara Giromini, investigada por terrorismo contra o STF quando o presidente estava rompido com a Corte.

O tom dos ataques nas redes é de um desapontamento agressivo. O movimento Vem Pra Rua, que apoiou Bolsonaro nas eleições em 2018, impulsionou um vídeo que lamenta a escolha de Kassio Nunes Marques e o acusa de tomar decisões que lembram os governos do PT. “Agora é oficial: o mito virou mico. #BolsonaroPetista”. O empresário Winston Ling, um dos primeiros a apoiar Bolsonaro e que o apresentou a Paulo Guedes, escreveu: “Hora de desembarcar. Acabou. Um erro desta envergadura não se faz por acaso”. Até os produtores de alho começaram a atacar a indicação de Nunes Marques por sentenças no passado liberando importação do bulbo da China em detrimento dos agricultores locais.

Advogado em Teresina por 15 anos, Nunes Marques foi nomeado em 2011 por Dilma Rousseff como desembargador do Tribunal Regional Federal por votação do quinto constitucional da OAB e apoio do governador petista Wellington Dias. Em julho, os políticos piauienses deputado Arthur Lira e senador Ciro Nogueira, ambos líderes do Centrão e investigados em vários processos de corrupção, levaram o nome de Nunes Marques ao senador Flavio Bolsonaro. A intenção era indicar Nunes para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte onde pode acabar sendo julgada o processo de Flavio Bolsonaro e Fabrício Queiroz sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio. Conversas com o advogado Frederick Wassef fizeram a nomeação de Nunes Marques subir do STJ para o STF. Na quarta-feira, Bolsonaro levou o desembargador para jantar e ser apresentado a Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Acatar um nome do Centrão ajuda a solidificar a relação de Bolsonaro com a principal base parlamentar do Congresso, mas tem o preço de desagradar os eleitores que (a) ainda acreditam que Bolsonaro tem uma agenda anticorrupção; e (b) esperavam que o indicado fosse um evangélico, como Bolsonaro ainda promete fazer.

“Os eleitores de Bolsonaro queriam o impeachment dos Ministros Gilmar e Toffoli e, de repente, o Presidente define o nome do próximo Ministro em jantar com Gilmar e Toffoli! Para piorar, a indicação veio de seu ex-advogado, recentemente denunciado, com forte apoio de seu filho, atolado até o pescoço em investigações. Eu não sou do tipo que tapa o sol com a peneira. O lado bom disso é que ainda temos 2 anos para encontrar uma alternativa! #BolsonaroPetista”, escreveu a deputado estadual Janaína Paschoal, que por pouco não foi a candidata à vice de Bolsonaro.

Continua após a publicidade

Desde quinta-feira à noite, Bolsonaro tenta consertar o mal-estar. Ele já garantiu que Nunes Marques “é contra o aborto, a favor do porte de armas e defende a família (ou seja, considera o casamento apenas entre homem e mulher). Resumindo, ele está 100% alinhado comigo, por isso a ferrenha campanha para desconstruí-lo”, escreveu. O presidente voltou a prometer que seu próximo indicado será “terrivelmente evangélico” e tentou ser razoável com os que o acusam de conversar com ex-petistas. É irônico assistir o presidente sendo a voz plausível em um diálogo com seus militantes:

· Sobre a relação de Nunes com os governos petistas, Bolsonaro tentou justificar: “Você sabe quantos ministros e secretários meus já trabalharam nos governos do PT? Você acha que eu deveria demitir o Tarcísio?”, em referência ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que foi diretor do DNIT no governo Dilma Rousseff.

· Sobre a visita a Toffoli, escreveu: “Preciso governar. Converso com todos em Brasília”.

· Sobre o fato de o indicado não ter impedido uma licitação para compra de lagostas e vinhos franceses para as recepções no STF, o presidente disse “não tem nada demais comer lagosta. Nada demais. Qual o problema comer lagosta?”

A chamada “farra da lagosta” é apenas parte dos problemas encontrados pelos bolsonaristas contra Nunes Marques. “Ele não é favorável à prisão em segunda instância, não é contrário ao aborto, é simpático ao chavismo e sua esposa já foi funcionária de senadores do PT, motivos pelos quais sua indicação frustrou a ala mais radical do bolsonarismo e indignou os apoiadores da operação Lava Jato”, escreveu na Folha de S. Paulo Catarina Rochamonte, do Instituto Liberal.

Em socorro do pai, Eduardo Bolsonaro postou no twitter: “confiem no presidente”, sob um texto no qual se dizia que se dependesse dos militantes “Janaína Paschoal seria vice, Sergio Moro ministro do STF e Deltan Dallagnol procurador geral”. A resposta veio daquele que é chamado de guru pelo próprio Eduardo, o youtuber Olavo de Carvalho. No Twitter, Carvalho escreveu: “Se um governante pede que o povo confie nele sem saber as razões e intenções dos seus atos, o que ele está pedindo é confiança cega, que nem Deus pede. Que ele faça isso uma ou duas vezes, já é um risco temível, que o faça dezenas de vezes é desafiar a sorte, é suicídio. Presidente: Gostamos de você e entendemos as suas dificuldades, mas, por favor, pare de chamar de estratégia o que é mera acomodação forçada a poderes superiores. Em Deus devemos confiar mesmo quando Ele parece nos abandonar, mas NENHUM homem tem o direito de pedir que confiem nele a esse ponto”

Nesta segunda-feira completam 5 dias com Bolsonaro apanhando dos próprios militantes. Nem no episódio da prisão de Fabrício Queiroz, em julho, isso aconteceu. Na nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral houve muitos protestos, mas eles foram em parte reduzidos pela expectativa de parte da militância de que o então ministro Sergio Moro seria indicado ministro do STF. Hoje Moro é considerado um inimigo.

Bolsonaro repetiu várias vezes que a decisão sobre Nunes Marques é final, mas o caminho até a nomeação é longo. A indicação só começa a transitar no Senado no dia 14 de outubro, depois da aposentadoria do ministro Celso de Mello. A votação é secreta e a aprovação precisa de 41 votos, maioria absoluta dos parlamentares. Os senadores serão pressionados pelas hordas bolsonaristas a recusar o nome. Com a eleição municipal, o quórum será baixo e são escassas as chances de o nome de ser nomeado antes do final de novembro. Serão semanas de chuvas de canivete sobre Bolsonaro e seu indicado para ministro do STF.

Continua após a publicidade

Compartilhe esse Artigo