A nova guerra da vacina

thomas Scholze
thomas Scholze

De todos os possíveis adversários em 2022, o único que Jair Bolsonaro realmente teme é o governador de São Paulo, João Doria. Em conversa recente, Bolsonaro mostrou desprezo Fernando Haddad (PT), disse que qualquer candidato mais à esquerda será derrotado no segundo turno pelo voto útil e considerou como “fogo de palha” as especulações sobre Sergio Moro e Luciano Huck. A Doria, no entanto, o presidente reserva um respeito incomum.

Na avaliação do presidente, Doria poderia trazer junto de si o establishment da forma como Geraldo Alckmin não conseguiu em 2018, incluindo, segundo a sua lógica, o mercado financeiro, os grandes empresários e a TV Globo. Bolsonaro reconhece que foi favorecido em 2018 pelos erros da campanha tucana, mas considera Doria mais hábil que Alckmin. Ao contrário de uma disputa contra PT ou Ciro Gomes, Bolsonaro acha que contra Doria “serei eu contra todo mundo”.

Com o poder da máquina federal, Bolsonaro quer derrotar Doria antes de 2022. O primeiro lance foi a ação da Polícia Federal contra o secretário de Transportes por um acusação de 2017. Em breve, a PF baterá à porta da Secretaria de Saúde paulista.

Na campanha municipal, Bolsonaro incentivou o apresentador de TV e deputado federal Celso Russomano a entrar na disputa. Russomano já disputou a prefeitura de São Paulo duas vezes. Como é conhecido pela TV, Russomano largou sempre na frente, mas, ao final, nem chegou ao segundo turno. Russomano tem chances maiores dessa vez, mas Bolsonaro não é exatamente um bom cabo-eleitoral em São Paulo. De acordo com pesquisa Ipespe, 48% dos paulistanos consideram o seu governo ruim ou péssimo.

O temor de Bolsonaro está nos seguidos anúncios de Doria de que a vacinação em massa contra o coronavírus vai começar por São Paulo. Para o presidente, se o governo paulista iniciar uma vacinação antes do governo federal, ele trará para si o papel de vencedor contra a pandemia. Para o presidente, pode ser o ponto de inflexão para tornar Doria o “antibolsonaro”.

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O raciocínio é linear, mas parte do problema é que os anúncios de Dória sobre a vacinação carregam no ufanismo. Em todo o mundo, as vacinas estão em testes preliminares, mas sem uma previsão de lançamento para o público. O convênio do Instituto Butantã com o laboratório chinês Sinovac está na de testes clínicos. Estão sendo imunizados13 mil voluntários em sete estados. Se nas próximas semanas não houver reação, a vacina irá para aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Em entrevista ao portal UOL, o diretor do Butantã, Dimas Tadeu Covas, disse que pode haver uma flexibilização, como nos Estados Unidos, que já reduziu o coeficiente de eficácia para 50% . ” A vacina é necessária para diminuir a mortalidade e a gravidade dos casos. Se tivesse 40% de eficácia, eu seria o primeiro a tomar”, afirmou.

É altamente improvável que a Anvisa autorize vacinações em massa antes que outro país o faça. Através da Fiocruz, o Ministério da Saúde financia testes de vacinação com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca, que ironicamente também usa matéria-prima da China.

A névoa política sobre a nova vacina contra o coronavírus é evidente. O negacionismo do presidente Bolsonaro fez com que o Ministério da Saúde atrasasse meses para se incorporar aos estudos com Oxford. Enquanto isso, o governo de São Paulo iniciou trabalhos com a China, enquanto os Estados do Paraná e da Bahia se acertaram com a Rússia.

O fato é que até agora o Ministério da Saúde não sinalizou acordo com os chefes das pesquisas nestes Estado, o que significa que pode acontecer de São Paulo ter uma vacina antes do Brasil e só os paulistas serem vacinados. “Isso preocupa muito e tem motivado o governador de São Paulo a dizer que, se a vacina não for incorporada pelo ministério, será incorporada no estado, o que na minha opinião seria um tiro no SUS. Estaríamos decretando o fim do SUS. Espero que haja um entendimento claro das autoridades federais que não estamos trabalhando por ideologia, mas, sim, por uma vacina eficaz”, disse o diretor do Butantã.

A eleição de 2022, quem diria?, vai começar em um laboratório.

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