Rodovias: rombo bilionário das concessionárias pode custar ao governo

thomas Scholze
thomas Scholze

Nem mesmo a grande onda de e-commerce no Brasil foi capaz de compensar a queda no movimento nas estradas do país. O isolamento social imposto no início da pandemia e as barreiras sanitárias exigidas pelas cidades turísticas, que em alguns momentos chegaram a proibir a entrada de quem não fosse morador, frearam os planos de deslocamento das pessoas, seja a trabalho ou para lazer. Com as rodovias vazias, o resultado foi um rombo de, pelo menos, 1,3 bilhão de reais. O cálculo é da Associação Brasileira das Concessionárias Rodoviárias (ABCR) e corresponde apenas ao período entre março e junho, ou seja, o estrago deve ser ainda maior. A associação estima que, no acumulado do ano, a circulação de veículos nas rodovias deve cair em torno de 20% na comparação com 2019 e que o movimento deve voltar ao normal apenas em dezembro de 2020. A discussão sobre quem pagará essa conta abre uma disputa, num momento que a nem sempre tranquila relação entre as empresas e o governo passa por solavancos, com propostas que podem ser entendidas como populistas e que afetam o ambiente de negócios e a confiabilidade quanto às regras do setor.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pelos trechos federais, abriu um processo para calcular os danos sofridos pelas empresas e encontrar alguma forma de repor os prejuízos financeiros. O setor alega que tal reposição é prevista pelos contratos, em vista que a pandemia se enquadra em “perdas de causa maior”. Apesar de não ter demitido em larga escala durante esse período, utilizando-se de prerrogativas como a suspensão de contratos, o reequilíbrio financeiro seria vital para as operadoras, que precisam cumprir as normas regulatórias das concessões e manter um nível adequado de serviços para as estradas, assim como garantir boas condições e segurança aos motoristas.

Em julho, a Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) adiou todos os aumentos de pedágios das rodovias do estado por quatro meses, um leve afago nas contas para parte dos paulistas que perderam renda. Porém, em novembro os valores devem ser reajustados pelas concessionárias, que precisam, de alguma forma, equacionar as despesas. Vale lembrar que a agência ainda não apresentou um plano de recuperação para essas empresas. O reajuste tarifário é uma das alternativas para reequilibrar as contas, o que incidiria em novos aumentos para a população. Outras opções, previstas em contratos, são as diminuições dos investimentos obrigatórios, prorrogação das concessões ou até mesmo pagamentos diretos pelo poder concedente, certamente o caminho menos viável, devido à vulnerabilidade das contas públicas.

No meio disso tudo, o presidente Jair Bolsonaro segue defendendo publicamente a previsão de isenção de pedágio para motocicletas nas próximas concessões. A medida, a princípio, não comprometeria a saúde financeira das concessionárias, mas o ônus seria integralmente repassado aos demais usuários. “Toda isenção termina com alguém pagando, não existe almoço grátis. Temos um lema: quando todos pagam, todos pagam menos. A isenção não é atrativa para novos investidores”, alerta Cesar Borges, presidente da ABCR. O aumento para os outros veículos ficaria na casa de 5%. O ex-senador lembra também que a maior parte dos acidentes nas estradas envolve motocicletas e que, portanto, é preciso garantir um serviço de assistência adequado à categoria.

Se uma possível isenção já tem o risco de desincentivar novos investimentos no setor, a briga declarada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que resultou até na destruição das cabines de pedágio da Linha Amarela a seu mando, comprometem ainda mais o ambiente futuro de negócios em concessões do país. A insegurança jurídica preocupa. Para piorar, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (SJT), Humberto Martins, derrubou as 18 liminares que mantinham a concessão da Linha Amarela para a Lamsa, concessionária controlada pela Invepar. A prefeitura do Rio, então, poderia retomar a administração da via expressa sob pagamento de indenização. A Lamsa entrou com recurso. A definição deve acontecer no dia 21, quando um grupo com os 15 ministros mais antigos do STJ deve deliberar quem ficará com a Linha Amarela. “Se trata de um investimento inteiramente privado, sem participação do governo e que vai ficar de legado para a cidade quando o contrato acabar. Hoje precisamos de players estrangeiros que venham participar de leilões de rodovias, mas o que a gente vê, na contramão disso, é o próprio estado criando obstáculos para investimentos. Se quer avançar nas concessões, deve ter o concessionário como um parceiro, não como inimigo”, reclama Borges. Em rota de colisão com as empresas, as agências reguladoras precisam formular uma nova equação para fechar o rombo bilionário e as empresas pedem para serem protegidas do próprio governo.

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