Mercosul e União Europeia: entre a ação e a retórica do boi bombeiro

thomas Scholze

Boi bombeiro e fogo preventivo. Os novos exercícios retóricos para minimizar os incêndios no Pantanal por parte de autoridades brasileiras beiram o absurdo. Na semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pecou ao dizer que pasto não pega fogo, fala endossada pelo presidente Jair Bolsonaro, que voltou a reforçar a tese de que “a Amazônia não pega fogo porque é úmida”, na tradicional transmissão ao vivo das quintas-feiras. Nesta terça-feira, 13, foi a vez do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, inflamar a discussão. “É preciso seguir com a política de uso preventivo do fogo, o chamado fogo frio, que é um instrumento importante de combate às queimadas”, disse o ministro. Para além do drama ambiental e a fauna e flora brasileira ardendo em chamas, já que os incêndios destruíram um quarto do bioma desde o início deste ano, a falta de planejamento do país em relação ao meio ambiente coloca em risco avanços importantes no campo da economia. Apesar do deslize facundo, a ministra da Agricultura continua costurando para emplacar o já maior de idade acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, costurado há mais de 20 anos e fechado no ano passado. O desafio, agora, é ratificar a papelada, já que o acordo precisa ser chancelado pelos parlamentos de cada um dos países, além do Parlamento Europeu.

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A chefe da pasta está em Portugal para uma série de encontros com representantes agrícolas do país, que se tornará presidente do bloco, em janeiro. A ministra da Agricultura ouviu da colega portuguesa, Maria do Céu Antunes, que os portugueses apoiam a ratificação do tratado comercial. “[O acordo] permitirá ainda, e para nós isso é muito importante, um compromisso de todas as partes com os objetivos de desenvolvimento sustentável a proteção do meio ambiente e da biodiversidade e no respeito pelos direitos laborais e sociais”, disse a ministra portuguesa, em pronunciamento. O desafio é contornar a péssima imagem do país no exterior. Nos bastidores, a ministra admite as dificuldades da gestão de Salles e busca no presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão, um apoio na gestão paralela da questão ambiental.

Para além da gestão errática da pauta ambiental, uma queixa acertada da chefe da Agricultura envolve os poderosos lobbies dos produtores agrícolas europeus, que temem a concorrência dos bons produtos brasileiros, um desafio além das queimadas. “Interessa à Europa, assim como ao Mercosul, ratificar o acordo, porque são duas áreas econômicas integradas e importantes para o comércio mundial”, diz o ex-chanceler, José Botafogo. O acordo sempre suscitou inquietações por parte dos agricultores europeus, um certo pânico. Um dos problemas que estará presente é vencer protecionistas agrícolas europeus e caiu de presente para eles a questão da Amazônia”, completa ele. Mesmo ratificando a posição favorável do país em relação ao firmamento do acordo, a Alemanha, por exemplo, já exortou preocupação em relação à política ambiental brasileira. Em agosto, Stephan Seibert, porta-voz da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, colocou o acordo em xeque. “Temos sérias dúvidas de que o acordo possa ser aplicado conforme planejado, quando vemos a situação”, disse ele após uma reunião com a ativista Greta Thumberg, numa fala interpretada por autoridades brasileiras como uma “jogada para a torcida”, já que a Alemanha, baseada no pragmatismo característico dos germânicos, apoiou a ratificação do tratado nas reuniões internas.

O desafio ainda é enorme. No último dia 6, o Parlamento Europeu afirmou que o acordo comercial entre os blocos não será ratificado até que o Brasil mostre comprometimento com sua política ambiental. Elaborada pela francesa Marie-Pierre Vedrenne, do partido de centro Movimento Democrático, a emenda disserta sobre a existência de “capítulo vinculante sobre desenvolvimento sustentável que deve ser completamente implantado”, incluindo o respeito às normas do Acordo de Paris sobre o clima. Nestes moldes, afirmam os europeus, o acordo não pode caminhar. E, vá lá, apesar da politicagem e influência dos latifundiários do Velho Continente, falas como as de Salles e Bolsonaro só servem para, infelizmente, inflamar os ânimos. Que, ao invés dos bois, a ministra Tereza Cristina consiga controlar as chamas oriundas do além-mar.

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